As Origens
Manuel Godinho ou, melhor, Manoel Godinho, segundo a ortografia original, nasceu em Montalvão, em 1630, sendo filho de Manoel Nunes de Abreu e de Joana dos Reys.
A missão
Naquele ano Portugal encontrava-se sob domínio espanhol, reinando Filipe III de Portugal – 1622 / 1640 – e IV de Espanha.
Já após a restauração da independência portuguesa (1640), mais precisamente em 1645, o jovem Manoel Godinho ingressou na Companhia de Jesus[1], em Coimbra, aos 15 anos de idade, por conseguinte, já em pleno reinado de D. João IV.
Foi destinado às missões da Índia, para onde seguiu em 1655, cabendo-lhe o cargo designado de “Pai dos Cristãos”, em Thana, próximo de Bombaim.
Para evitar os perigos de uma viagem marítima, em particular o encontro com navios holandeses, o ainda jovem jesuíta, decide fazer a viagem por mar e terra, donde lhe proveio a informação e a experiência que relatou na sua obra mais emblemática, a “Relação do novo caminho que fez por terra e mar, vindo da India para Portugal no anno de 1663 o Padre Manuel Godinho da Companhia de Jesus”.
O vice-rei da Índia, D. António de Mello de Castro, que conhecia melhor as implicações da cessão de Bombaim aos ingleses – de acordo com o tratado de casamento de D. Catarina de Bragança com o príncipe Carlos II da Inglaterra -, procurou atrasar a entrega daquela região durante vários anos e, para cumprimento dessa missão, enviou, em 1662, o jesuíta, Padre Manoel Godinho, para a corte de Lisboa, confiado como estava nas capacidades diplomáticas deste missionário.
Essa incumbência estava subordinada a um conjunto de instruções sobre com quem o jesuíta deveria falar e o que deveria transmitir, com a finalidade de expor depois a D. Afonso VI a razão pela qual aquela ilha de Bombaim não deveria ser entregue àquele monarca inglês. Pelo menos com a abrangência que este pretendia, uma vez que aquele tratado não a tinha definido nos moldes interpretados pelos ingleses, distorcendo-os no seu próprio interesse, claro está.
Assim, no dia 15 de dezembro daquele ano, Manoel Godinho chegou por barco a Baçaim, passando por Damão, Surat, Pérsia, Bagdad e Alepo. Neste porto embarcou para Marselha e daqui partiu para Portugal, chegando a Cascais a 25 de outubro de 1663, debaixo do maior secretismo.
A posição do Vice-Rei tinha em vista, no fundo, proteger e salvaguardar as rotas comerciais com a Índia e, implicitamente, a sobrevivência do comércio de Portugal com aquele país, bem como a do próprio Estado da Índia, por este estar tão dependente daquele comércio.
Para que não houvesse qualquer equívoco ou dúvida quanto às razões da sua fundamentação, o Vice-Rei tornou bem claro ao Rei português que, se a sua decisão fosse tomada no sentido da cessão, tal como os ingleses pretendiam, a concretização da mesma deveria ser atribuída a outro Vice-Rei, que não ele.
O envolvimento do Padre Manoel Godinho nesta missão, custou-lhe importantes dissabores e revezes pessoais, pois na cúria jesuíta em Roma, designadamente o Geral Giovanni Paolo Oliva não aceitava de modo positivo o seu envolvimento direto em atividades de natureza política implicando a Inglaterra, pois receava uma retaliação do governo inglês contra a Companhia de Jesus, expulsando-a do seu território.
Perante esta conjuntura, Manoel Godinho decide não regressar à Índia.
Por aquele seu envolvimento e pela recusa em regressar à Índia, Manoel Godinho acabou por ser expulso da Companhia de Jesus em 1667, vinte e dois anos depois de nela ter ingressado.
No entanto, a Raínha D. Luísa de Gusmão, então Regente por morte de D. João IV, e o príncipe D. Afonso (futuro D. Afonso VI), como compensação pelos serviços prestados à Coroa, concedeu-lhe a melhor paróquia que se encontrava vaga – o importante priorado da igreja de Loures, onde veio a falecer, aos 78 anos. Mais tarde, para além de outros benefícios recebidos, foi comissário do Santo Ofício (se tal cargo, à luz do que hoje conhecemos e da consideração abjeta que atribuímos ao Tribunal do Santo Ofício, pode ser considerado um benefício ? Para a época e para o próprio seria certamente.).
Do relatório da viagem por terra, que publicou[2] , transparece o seu fervor patriótico, bem como a sua amargura perante a decadência da glória e do poderio do seu amado país, tendo denunciado os crimes, as malfeitorias e outras ações pouco dignas, praticadas pelos governantes da Índia ou responsáveis do reino.
A obra
Em 1665, o Padre Manuel Godinho, regressado havia pouco a Portugal, depois de uma estadia de cerca de sete anos no Oriente ao serviço da Companhia de Jesus, publica em Lisboa uma “Relação do novo caminho que fez por terra e mar vindo da Índia para Portugal”.
Trata-se de um desses relatos, misto de itinerário, corografia e diário de viagens, em que é fértil a nossa literatura da expansão.
Introdução à problemática
A “Relação” do Padre Godinho não é de modo algum uma dessas obras apagadas que ficam soterradas durante séculos sob a poeira dos arquivos. Bem conhecida dos investigadores, ela continua também acessível ao público leitor através de uma recente reedição. Não obstante, estamos perante um texto «até agora pouco conhecido, por pouco estudado, pouco tratado», justamente porque as escassas notícias e artigos que lhe têm sido dedicados, além de parafrasearem o conteúdo da “Relação” com intuitos divulgadores, se têm resumido a um repetido elogio estilístico e ao esmiuçar de questões biográfico-factológicas. Para além de se basearem, como veremos, num considerável equívoco.
Texto menor de um autor menor, o seu conteúdo, forma e significado, parecem não justificar atenção mais demorada da parte dos historiadores, exceptuando uma ou outra breve referência de carácter sintético. A “Relação do novo caminho” está publicada, o seu texto aparentemente fixado, as qualidades estilísticas devidamente realçadas, os episódios mais pitorescos são do domínio público, o teor do relato, devidamente analisado, não traz surpresas ao conhecimento histórico. Dir-se-ia então que nada mais há a fazer e que estão esgotadas as potencialidades analítico-interpretativas.
Mas, contrariamente ao que poderia pretender uma conceção demasiado positivista do labor histórico, o relato do padre jesuíta é passível de uma multiplicidade de aproximações. Como qualquer outro documento histórico, a Relação «é um infinito quadro de polissemia existente em condição potencial».
Nota final
Indiferentes a tal problemática, que é matéria para eruditos e especialistas na matéria, o que importa realçar, enquanto montalvanenes, é o orgulho de termos esta figura, que adquiriu tal notoriedade, como nosso conterrâneo, enaltecendo, sempre que possível a sua memória.
Nesse sentido, Montalvão atribuiu o seu nome ao largo fronteiro à secular Igreja Matriz, que certamente frequentou nos seus primeiros quinze anos de vida, e dessa forma tornou-o mais conhecido dos montalvanenses e dos que visitam a sua e nossa terra natal, perpetuando o seu nome para as gerações vindouras.
Fonte: Luis Gonçalves Gomes